A ENTREVISTA que fizemos a Alice Vieira



... sobre o romance «Às dez a porta fecha»

1-    A Branquinha tem um comportamento esquisito, tem tendências maternais com todos os residentes do lar, vê em todos os homens hipotéticos maridos. Parece-lhe que esse comportamento é frequente nos idosos?
→ Não lhe chamaria esquisito, e não pretendo criar comportamentos-padrão. A Branquinha tinha uma enorme família, que nunca lhe ligou, ficando assim reduzidíssima à mãe e pouco mais. Por isso ela tenta ver a família em toda a parte. E sobretudo a velha boneca.

2-    Por que é que não desenvolveu a história de amor do Juvenal?
→ Porque não me pareceu importante para a história. O Juvenal é personagem secundária, vale por ser irmão do Gimbras. De resto eu gosto às vezes de deixar histórias em aberto e depois os leitores dão-lhes o destino que entenderem. Tenho um romance chamado “Flor de Mel” em que a mãe da protagonista nunca aparece, Ela não sabe dela, nem onde está, nem o que lhe aconteceu. Vive com o pai que nunca lhe fala dela. Às vezes quando vou a escolas que leram esse livro e lhes pergunto o que é que eles pensam sobre essa mãe, é muito engraçado; se são escolas do sul do país - a senhora está presa; se são escolas do norte - a senhora está emigrada.

3-    Com que objetivo nos descreve esta galeria de residentes num lar da terceira idade? Inspirou-se nalgum lar?
 Uma tia minha dirigia um lar muito parecido com este. Eu ia lá muitas vezes. Não era - como infelizmente é a maioria… - um lugar de tristeza. Eram todos muito divertidos e havia lá sempre muita animação… Mas quando me decidi a escrever o livro foi quando o jornal em que eu trabalhava me mandou fazer uma reportagem a um lar da terceira idade  - onde se celebrava o casamento de dois deles.

4-    A morte costuma ser uma constante na mente de muitos idosos, mas no seu romance isso não acontece. Não lhe parece relevante essa característica?
  Claro que a morte é pensamento que todos temos. Mas enquanto andamos por cá temos é de pensar na vida. Uma vez entrevistei um velho realizador de cinema, chamado Artur Duarte que, à beira dos 90 anos, ainda me falava de um projecto que ele tinha de fazer uma série para a televisão com 180 episódios…

5-    Quando começamos a ler o seu romance é difícil percebermos quem é quem pois em cada capítulo surge uma personagem diferente. Cabe ao leitor ir construindo as histórias pessoais de cada residente. O que pretendeu com essa forma de contar a história?
  É verdade que não é de fácil leitura. Eu gosto de acreditar na inteligência dos leitores e como é bom irmos descobrindo coisas novas à medida que vamos lendo.

6-    O Gimbras não gosta da escola, mas gosta de estar no lar e os idosos gostam da sua presença. O que pretende transmitir com o comportamento desta personagem?
  Que a escola nem sempre é o que deveria ser… De resto isso é recorrente no livro, várias personagens falam disso, e não é por acaso que uma das personagens é uma velha professora.,..

7-    Escreveu este romance para um leitor de que idade?
→ Nunca penso na idade dos meus leitores (Por isso escrevo muito pouco para crianças pequenas porque aí tenho de pensar muito nas palavras que escolho e eu gosto de escrever livremente.). Como eu costumo dizer, eu gosto de escrever para mim. E com este livro aconteceu uma coisa muito engraçada. Há uns anos o jornal “Público” oferecia aos leitores, todos os sábados, um livro de um autor português. Eles é que escolhiam o livro. E no meu caso escolheram o “Às Dez a Porta Fecha”. Uma edição sem ilustrações e com uma capa só com o título. E houve muitos amigos meus que me telefonaram, a dizer “não sabia que também escrevias para adultos!”
E é disso que eu gosto: que os meus romances possam ser lidos por adultos e por jovens e por toda a gente.

(Entrevista feita por email
e publicada a 17 de maio de 2018
com a autorização da escritora)

Nenhum comentário:

Postar um comentário